Chegou de mansinho. Primeiro veio uma foto. Fiquei olhando as minhas rugas em volta dos olhos, do pescoço, mas havia uma luz tão linda que me encantei… Apesar de nestes tempos atuais tirar foto não ser uma solenidade, com um celular tudo vai sendo registrado descontraidamente. E esta me tocou de forma diferente pois me mostrou como nunca, até então, tinha me visto… e gostei do que vi… Quando eu já estava acostumada com a minha imagem estática, o programa* começou. E com ele, as imagens em movimento… Foi quando me perguntei: quem é essa mulher que fala e gesticula ?
O aroma do leite fervendo na panela até se transformar em ambrosia é a mais antiga lembrança que remete Marta à cozinha. Morando na roça, em Canavieiras, sul da Bahia, acompanhou a mãe sempre mexendo o tacho, fazendo doce para os 6 filhos, aproveitando o leite que sobrava no curral. O bolo de Santa Terezinha foi a primeira experiência aos 12 anos. Aos domingos todos iam para a cozinha, cada um fazia um prato, num tempo em que a tradição era frango com macarronada.
Marta foi desenvolvendo o prazer e o amor pelas panelas, temperos e sabores, formou-se professora, seguiu a vida como muitas mulheres onde a cozinha é lugar de alimentar a família e receber os amigos. Casada com político importante na região, cansou de ouvir o marido orgulhoso dizer “minha mulher cozinha muito bem”. No fim do mandato do marido, dando um tempo à política, mudaram para Vitória (ES) para ficar mais perto do filho que se transformara em chef premiado.
O marido envolvido com novos negócios e a solidão no apartamento da cidade grande, chamou a atenção do filho que lhe propôs fazer Enem para Gastronomia na Universidade de Vila Velha. Estava há 40 anos fora da sala de aula, mas meteu a cara nos livros e foi aprovada. A faculdade lhe deu a técnica e somou aos saberes que tinha dos temperos. Seu objetivo era terminar a faculdade, fazer pós graduação, mestrado e se tornar professora universitária.
Mas o marido, um homem do campo, resolveu voltar para as terras em Cabrália e, quando viu, ela já estava sonhando em ter um restaurante. Buscou a parceria com o filho Danilo Amaral e assim nasceu o Maroca Praia, um restaurante com o pé na areia, na praia do Boboca, no povoado de Santo Antonio, bairro vizinho a Santo André. No 1º ano ganhou o prêmio de melhor prato do 4º Festival da Lagosta, tem uma equipe formada por moradores a localidade, o bairro onde mora há quase 20 anos, e no cardápio um mix de culinária afetiva e gastronomia contemporânea. Nas sobremesas estão as suas raízes, a ambrosia e o pudim de leite, ambos receitas de Dona Maroca, sua mãe.
Léa Penteado